Fiocruz cria a primeira vacina do mundo contra barriga d’água e aguarda aprovação da OMS
A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) está na etapa final de ensaios clínicos da primeira vacina no mundo contra esquistossomose -ou barriga d’água- e aguarda pré-qualificação pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
A vacina, chamada Schistovac (Sm14), foi desenvolvida com tecnologia brasileira, produzida no Laboratório de Esquistossomose Experimental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A vacina é considerada uma das pesquisas em saúde priorizadas pela OMS.
A descoberta da vacina foi liderada pela pesquisadora Miriam Tedler, ligada ao IOC/Fiocruz. Ela afirma que já foi firmado um acordo de transferência de tecnologia para a produção e desenvolvimento no Instituto Biomanguinhos, da Fiocruz. “A Fiocruz assumiu a responsabilidade [de produção] e tem o interesse, com apoio do Ministério da Saúde, de desenvolver essa vacina que será única no mundo e feita 100% no Brasil”, afirmou.
O estudo da vacina foi fruto de uma PPP (parceria público privada) entre o instituto e a empresa americana Orygen Biotecnologia S.A. para o desenvolvimento e produção da vacina humana. Ela foi desenvolvida a partir do antígeno -ou a molécula contra a qual se deseja gerar uma resposta imune- descoberto e isolado no laboratório da Fiocruz.
Nos ensaios pré-clínicos em animais em laboratório, a vacina mostrou uma redução de mais de 90% da infecção de ratos e coelhos pelo Schistosoma mansoni. Em humanos, a vacina se mostrou segura e bem tolerada, sendo o principal efeito dor no local da injeção e sem a ocorrência de eventos adversos graves.
Os testes em humanos tiveram início em 20 indivíduos no Rio de Janeiro, em 2011. As etapas 2 e 3 subsequentes de ensaios clínicos foram conduzidas no Senegal. Os resultados preliminares da última etapa do ensaio mostram que a vacina é segura e produziu resposta imune contra o S. mansoni, causador da esquistossomose.
A esquistossomose, também conhecida como barriga d’água, é uma doença parasitária negligenciada, ligada a baixas condições sanitárias e falta de saneamento básico. Ela ocorre pela infecção do esquistossomo por meio dos ovos do caramujo (transmissor) contendo as larvas (cercárias), que penetram na pele humana. Na corrente sanguínea, as larvas perdem a cauda e tornam-se cistos (esquistócitos), que vão se alojar em órgãos, principalmente no fígado, onde crescem.
Apesar de ter baixa mortalidade, a esquistossomose é uma das doenças tropicais que mais causam perda de qualidade de vida (morbidade). Segundo a OMS, há uma estimativa que 200 milhões de pessoas sejam infectadas todos os anos por esquistossomose, mas outras 800 milhões vivem em áreas de alto risco, podendo chegar, assim, a 1 bilhão de casos por ano.
As regiões endêmicas são, principalmente, os países da África e das Américas. No caso das Américas, cerca de 95% dos casos de esquistossomose ocorrem no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, há atualmente mais de 1,5 milhão de brasileiros em risco de contrair esquistossomose.
Os estudos da vacina contra esquistossomose tiveram início na década de 1980, quando se procurava um antígeno capaz de proteger contra infecções parasitárias veterinárias em gado e ovelhas. Com a observação do mecanismo de infecção e proteção do parasita Fasciola hepatica, os pesquisadores procuraram uma molécula similar no Schistosoma mansoni, principal espécie que causa esquistossomose na África e América Latina.
A vacina contém a proteína Sm14, presente no Schistosoma, modificada. Essa proteína desempenha um papel importante no transporte de gorduras (lipídios) necessárias para as funções celulares do parasita. No entanto, uma alteração na Sm14 impede o transporte dessas gorduras. Como o parasita depende delas para sobreviver e não é capaz de produzi-las por si só, essa mudança impede sua proliferação.