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Supremo dos EUA retoma trabalhos com aborto e ensino religioso na agenda

A Suprema Corte dos Estados Unidos começou oficialmente nesta segunda-feira (4) um novo ano de trabalho, que deve ser marcado por decisões que envolvem temas importantes, colocando à prova os efeitos da maioria conservadora no tribunal e de uma sensível queda na aprovação popular da atuação de seus magistrados.

Um dos processos que começaram a ser analisados hoje trata de uma acusação do Mississippi de que o estado vizinho do Tennessee estaria roubando água de um aquífero compartilhado pelos dois. E, entre assuntos mais delicados que devem ser abordados nos próximos meses, estão o direito ao aborto e ao porte de armas, o acesso a documentos secretos, a pena de morte e o ensino religioso.

A sessão desta segunda foi o primeiro encontro presencial dos juízes desde o começo da pandemia –só Brett Kavanaugh não pôde comparecer, justamente por estar com Covid.

O magistrado é um dos seis de inclinação conservadora, nomeados por presidentes republicanos, que compõem hoje a Suprema Corte. Os outros três, indicados por democratas, adotam viés mais liberal e progressista. A configuração, que se dá ao mesmo tempo que a Casa Branca e o Congresso são comandados por democratas, dá esperança a uma parcela da população que deseja mudanças como um veto ao aborto. Proibir a prática é um anseio que une republicanos.

O procedimento foi liberado no país por uma decisão da Suprema Corte de 1973, no caso que ficou conhecido como Roe vs. Wade. A decisão se baseou no direito constitucional à privacidade. Em 1992, a corte atualizou o posicionamento anterior e passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto não seria capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas. Depois disso, cada estado possui suas regulamentações.

O prazo de gestação até atingir a viabilidade, porém, é alvo de debate. Assim, estados mais conservadores criaram leis que dificultam ou, na prática, chegam a impedir o aborto. O caso de maior repercussão recente é o do Texas. Em setembro, uma lei estadual passou a impedir o procedimento a partir de seis semanas de gestação, momento em que muitas mulheres ainda nem descobriram que estão grávidas. A lei texana considera que o feto é viável se o coração está batendo.

A Suprema Corte foi procurada para julgar a validade do texto, mas se recusou a analisá-lo –nos EUA, os juízes podem decidir quais assuntos avaliar–, abrindo caminho para sua entrada em vigor.

O episódio resultou em protestos contra o tribunal, que, em pesquisas de avaliação popular, viu sua taxa de reprovação saltar de 44% para 53% em dois meses.

Em vez da lei texana, porém, o tribunal decidiu analisar uma regra criada no Mississippi, em 2018, que barra a prática após a 15ª semana de gestação, exceto em emergências médicas ou má-formação do feto, mas não em casos de estupro. A decisão na Suprema Corte, que prevê discutir o caso em dezembro, pode impedir leis estaduais do tipo ou derrubar o entendimento de Roe vs. Wade.

Outro caso que deve gerar repercussão será analisado já nesta quarta (6). Abu Zubaydah, aliado de Osama bin Laden, foi capturado em 2002 e está preso na base americana de Guantánamo, em Cuba. Seus advogados pedem acesso a documentos que foram classificados como segredos de Estado e que podem conter provas de que Zubaydah foi torturado no exterior depois de ser detido.

A decisão da Suprema Corte pode abrir espaço para que outros réus acusados de terrorismo possam ter acesso a mais provas de supostos abusos cometidos por agentes do governo americano. A acusação é feita, por exemplo, pelos advogados de cinco acusados de envolvimento nos atentados de 11 de Setembro, cujo julgamento em Guantánamo foi retomado no mês passado.

Um terceiro tema caro à política dos EUA, o porte de armas, será analisado pelo tribunal em 3 de novembro. O processo questiona uma lei de Nova York que autoriza o porte apenas para pessoas que provem ter uma razão clara para isso, como estar sendo perseguido. Cerca de 12 estados americanos possuem restrições similares.

O porte e a posse de armas são protegidos pela 2ª Emenda da Constituição. Com base nela, defensores dizem que restrições para a compra e o transporte não podem ser implantadas, enquanto ativistas contrários consideram que o direito não é absoluto e que limitações podem ser impostas, para evitar mortes.

O governo de Joe Biden defende mais restrições, como estratégia para evitar ataques públicos e massacres, que ocorrem com frequência no país.

Além disso, a pauta da corte tratará ainda de questões religiosas. Um programa do estado do Maine oferece vouchers para famílias de áreas rurais enviarem seus filhos a escolas privadas, mas veta a participação de instituições que usam uma base religiosa, e não acadêmica, de ensino. Se o programa estadual for considerado ilegal, a decisão abrirá espaço para que mais instituições religiosas do país consigam se beneficiar de recursos públicos.

Em outro processo que chega agora a discussão na Suprema Corte, um prisioneiro condenado à morte chamado John Ramirez, do Texas, entrou na Justiça pelo direito de ter um pastor ao seu lado e receber uma oração em voz alta enquanto for executado.

As regras do estado determinam que um sacerdote pode acompanhar a execução, mas afastado e em silêncio. Para Ramirez, isso viola seu direito à liberdade religiosa. À espera de uma decisão após o debate no mais alto tribunal americano, a execução dele foi adiada.

Donald Trump, o antecessor de Biden na Presidência, teve a chance de indicar três dos nove juízes da Suprema Corte, o que a deixou com o lado conservador mais forte. A última nomeação foi de Amy Coney Barrett, em setembro de 2020, poucos meses antes da eleição que culminou na vitória de Biden.

Ainda que o processo de indicação lembre o que é visto no Supremo Tribunal Federal do Brasil, nos EUA as regras para a renovação do colegiado são um pouco diferentes: os integrantes possuem mandatos vitalícios, sem aposentadoria compulsória. Cabe a cada um deles decidir quando se retirar –ou deixar o cargo apenas quando morrerem.

Na composição atual, só Stephen Breyer, da ala mais progressista, tem mais de 80 anos. Especula-se que este período possa ser seu último no posto. Em entrevista em agosto ao jornal The New York Times, ele disse que não pretendia ficar na corte até morrer, mas que ainda estava se decidindo sobre quando se aposentar.

Sua saída daria chance a Biden de indicar um juiz alinhado a pensamentos liberais, ainda que não altere o viés majoritário atual da corte –que Trump teve a chance de ampliar, indicando Barrett para o posto de Ruth Bader Ginsuburg em 2020.

Os resultados desse movimento na corte, porém, têm variado. Em decisões recentes, os juízes invalidaram um veto a despejos, defendido pela gestão federal democrata, e reinstituíram uma medida anti-imigração implantada por Trump, mas deram aval à obrigatoriedade de vacinas em escolas e universidades, tema defendido pelo governo.

CALENDÁRIO DE VOTAÇÕES

6.out

Dados da CIA

Advogados de Abu Zubaydah, aliado de Osama bin Laden, pedem acesso a dados da CIA para embasar a defesa de seu cliente e provar que ele foi torturado. Decisão pode obrigar o governo americano a revelar mais dados sobre como tratou prisioneiros capturados por suspeita de terrorismo.

1.nov

Pena de morte

John Ramirez, do Texas, entrou na Justiça pelo direito de ter um pastor por perto na hora de receber a pena capital, algo vetado pela lei estadual. Para Ramirez, isso viola seu direito à liberdade religiosa.

3.nov

Porte de armas

Lei que restringe porte de armas em lugares públicos de Nova York terá sua validade analisada.

1º.dez

Aborto

Suprema Corte debaterá validade de lei do Mississippi que restringe o procedimento após a 15ª semana de gestação.

8.dez

Ensino religioso

Decidirá a validade de um programa do Maine que oferece vouchers para estudantes frequentarem escolas privadas, mas veta uso em instituições de ensino puramente religioso.

QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE

Ala conservadora

Jonh Roberts, 66

Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73

Indicado por George Bush pai em 1991

Samuel Alito, 71

Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54

Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 56

Indicado por Trump em 2018

Amy Cohen Barrett, 49

Indicada por Trump em 2020

Ala liberal

Stephen Breyer, 83

Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67

Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61

Indicada por Obama em 2010

 

FOLHAPRESS

Foto: © iStock



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