Saúde segura repasses e deixa parlamentares insatisfeitos
O governo Lula (PT) mudou critérios para repassar recursos do Orçamento apadrinhados por parlamentares na área da saúde nos últimos dias de 2023, o que travou transferências para municípios previstos para o final do ano e abriu novo flanco de descontentamento no Congresso Nacional.
Embora não seja formalmente considerado uma emenda, esse dinheiro também é usado como moeda de troca do governo com a Câmara dos Deputados e o Senado.
De acordo com relatos, a mudança emperrou repasses prometidos pelo governo federal para que parlamentares aprovassem em dezembro pautas prioritárias para Lula.
Procurado, o Ministério da Saúde argumentou ter recebido um incremento orçamentário no fim do ano. “Com isso, houve a necessidade de adequação de prazos e procedimentos, e a publicação de novas portarias”, afirmou.
O Ministério da Saúde disse ainda que “algumas propostas submetidas ao ministério ao longo do ano não foram atendidas no exercício de 2023, sobretudo devido à insuficiência orçamentária ou por dificuldades para a superação de diligências técnicas”.
Em maio, quando o governo editou pela primeira vez regras para os recursos dessa cota parlamentar, havia apenas a previsão de que os projetos aprovados nas comissões bipartites seriam priorizados. Não existia exigência.
A nova norma gerou queixas de congressistas -da direita à esquerda-, que dizem não terem conseguido se adequar às exigências para que o dinheiro chegasse aos prefeitos antes do fim do ano.
Há também reclamações de deputados de que o governo teria empenhado em alguns casos quantias menores do que as que haviam sido acordadas. Os parlamentares dizem que irão cobrar soluções do Executivo em fevereiro.
Na mesma semana em que os repasses foram endurecidos, a cúpula da Câmara fez chegar a Lula recado da insatisfação com a atuação do ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), responsável pela articulação política.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tratou do tema em reunião com o petista.
A Secretaria de Relações Institucionais não quis se manifestar. A pasta afirmou que o assunto deveria ser tratado pelo Ministério da Saúde.
Com uma base de apoio instável, o Planalto tem enfrentado dificuldades em votações no Congresso. Em 2024, com a aprovação de um calendário de distribuição de emendas, pode encontrar mais desafios para usar a verba como moeda de troca em negociações.
Padilha também foi enfraquecido na aprovação do Orçamento, já que foi aprovada autorização para que neste ano a comunicação entre o parlamentar e o ministério que liberará as emendas seja feita com o chefe da pasta.
Segundo deputados ouvidos pela reportagem, havia uma expectativa de que, após uma série de frustrações com o que classificam de letargia do governo com a execução orçamentária em 2023, poderia haver uma compensação no fim do ano -o que não ocorreu.
Lira teve que agir por diversas vezes e conversar com ministros para que o dinheiro de emendas fosse destravado.
Emendas são um grande ativo para os parlamentares. Isso porque eles conseguem direcionar recursos para seus redutos eleitorais. Em ano com eleições, como 2024, tende a aumentar a pressão dos congressistas por celeridade na execução orçamentária.
Ele diz que há queixas generalizadas entre deputados, principalmente daqueles que votam em temas de interesse do Executivo. Na avaliação desse parlamentar, o Planalto terá dificuldades em contornar a situação se não forem tomadas medidas.
Um deputado aliado de primeira hora do governo minimiza a situação e diz que boa parte das insatisfações decorre do fato de o centrão ter perdido a gerência exclusiva da distribuição de emendas que tinha sob o governo Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma ainda que é necessário um rigor com o repasse de emendas para evitar uso indevido de recursos públicos.
Parlamentares dizem já haver um reflexo na relação com prefeitos, que cobram a liberação dos recursos. Uma liderança da Casa diz sob reserva que se esse mau humor bate no parlamentar, acaba recaindo na votação em plenário, e o governo perderia créditos.
Os congressistas afirmam ainda que essa mudança ocorreu às vésperas do fim do ano e que, diante disso, não puderam contornar a situação. A leitura deles é que o governo gerou essa “dificuldade desnecessária”, o que só prejudica a relação com o Legislativo.
FOLHAPRESS
Foto:© Elaine Menke/Câmara dos Deputados