Curiosidades

Você não passa de uma Mulher!

Afirma-se que admiração e afeto pela Mulher não estão vinculados a efemérides de qualquer tipo porque são sentimentos que não conhecem calendário, mas se ligam a um estado de espírito que ela, como constituinte da humanidade, pode inspirar nos seus semelhantes. Ao menos naqueles mais sensíveis.

Mas ainda que hoje todos nos guiássemos por esse sentimento enobrecedor da Mulher como parceira espiritual e biológica, seria necessário um ícone – e o 8 de Março nisso se converteu! – capaz de relembrar e execrar os males causados às Mulheres pela onipotência do patriarcado milenar, fruto talvez do monoteísmo interpretado a partir de uma visão que pôs o macho no centro da humanidade (visão androcêntrica para uns; falocêntrica para outros). Sendo o único Deus um ser de feições psicológicas associadas ao másculo, pensavam muitos, à imagem e semelhança dele fomos feitos nós, e não elas. Logo, nossa superioridade foi determinada divinamente. As religiões radicalizaram esses preconceitos. E nem mesmo a suavização proposta pelo homem Jesus foi suficiente para arrefecer a arrogância machista.

A partir desta concepção da humanidade, o homem se deu o direito de estruturar o mundo da vida concedendo-se privilégios, os quais negava à Mulher. O princípio feminino foi obscurecido na representação dos mitos de criação, traço marcante de inúmeras civilizações. E seriam devastadores para a feminilidade os efeitos destas transformações.

As Mulheres foram reduzidas a um apêndice das vontades e direitos masculinos, sendo seus direitos dependentes das vontades dos homens que – inseguros e reconhecedores da força mítica da mulher e sua sexualidade – as reprimiam covardemente, como um gesto de fraqueza.

Há quem critique a data qualificando-a como instrumento de indução ao consumo, o que reduziria sua dimensão simbólica nos esforços de superação dos limites que a cultura contemporânea tem ainda imposto à Mulher. Quem assim olha para o dia 8 de Março, o considera como data convenientemente escolhida para, por causa nobre, estimular o tal capitalismo.

É necessário, contudo, olhar além. A humanidade vive um processo civilizatório de ritmo lento, marcado por avanços nem sempre uniformes e também por frequentes retrocessos. Se olharmos com atenção para o universo feminino, veremos, por exemplo, que a Mulher branca, embora ainda longe da igualdade com o homem, não mais recebe tratamento tão redutor de sua dignidade como ocorre com a Mulher negra.

O signo do dia 8 de Março importa porque nele se sustenta a útil retórica e o movimento de rejeição à redução da Mulher e sua dignidade. A insultuosa desafinação do sambista contida no título – Martinho da Vila, que soube e sabe cantar a Mulher como deve ser, num momento de submissão cultural ao machismo reinante!  – parece infame hoje porque, desde o lançamento da música, ao menos um dia, num certo mês, as razões íntimas do insulto são expostas como vergonhosas.

*Sobre o autor: Caleb Salomão vive em Vitória, no Espírito Santo. É Advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). É autor do livro Artigos para Amar e escreveu outras obras na área do direito, como o recente Constituição 1988 – 25 anos de valores e transições. Ainda este ano, irá lançar também os livros Em Busca da Legitimidade e (Des) Casando – Reflexões sobre as emoções e o direito nas separações.



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